quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Negócio da China


Matheus Dalla Costa *

Fonte: Google Imagens
A autopublicação online de livros já não é mais uma simples tendência. Hoje, é um meio editorial responsável por movimentar cifras respeitáveis no mercado literário. Nos Estados Unidos, país dos tablets e ebook readers, autores independentes conseguem vender números superiores a 1 milhão de exemplares em sites de grande porte, como a Amazon.

Mas é na China onde esse fenômeno se manifesta de forma mais interessante e (principalmente) peculiar. A autopublicação virtual pros lados de lá atrai pelo menos 40% dos usuários que utilizam a internet, algo em torno de 200 milhões de pessoas. Isso dá quase 4 vezes a população inteira da Argentina, um número que é especialmente impressionante se você for chinês e souber escrever bem. Apesar da grande demanda no mercado, as coisas por lá não funcionam da mesma maneira que aqui no Ocidente – e provavelmente é aí que mora o segredo da popularidade absurda das suas publicações virtuais.

O modelo adotado lá é chamado popularmente de “freemium” (junção de free + premium, em inglês). O sistema funciona através da publicação gratuita de histórias e contos em sites especializados. A leitura também é gratuita, qualquer pessoa pode acessar o material disponível e ler a qualquer momento. Não parece fazer muito sentido, mas a parte engenhosa vem depois: autores de obras que alcançam altos índíces de popularidade nestes sites são convidados a se tornar uma espécie de “escritor VIP”.

Na China, o celular também é muito utilizado para a leitura.
Fonte: Google Imagens
Uma vez “VIP”, suas histórias são movidas para outra seção do site. A partir daí, os usuários podem ler apenas um trecho das obras postadas, e para acompanhar o resto é necessário pagar uma quantia em dinheiro. O valor é irrisório, algo em torno de 2 Yuans (60 centavos)  para liberar as próximas 1.0000 palavras da história. Pode parecer troco de pão, mas com milhares de pessoas curiosas e interessadas em saber o que acontecerá nos próximos capítulos de uma trama bem construída, a publicação pode se tornar extremamente lucrativa. Um autor chinês, em certos casos, consegue ganhar até mesmo 1 milhão de Yuans por obra, algo em torno de 290 mil reais (!).

Esse mesmo autor, caso tentasse autopublicar essa mesma obra seguindo os modelos ocidentais, talvez não conseguiria juntar dinheiro suficiente nem para comprar espetinho de grilo na tenda da esquina. Ou pior: se enviasse sua história para uma editora de livros de papel, talvez sequer teria seu trabalho aceito e publicado no mercado.

Este segmento dos micropagamentos tem se mostrado eficiente na China, e logicamente, se funciona tão bem assim muito se deve por causa da enorme população que o país apresenta, capaz de transformar “centavos” acumulados em milhões – algo inteligentemente percebido pelos chineses. O modelo também está sendo estudado para aplicação nos Estados Unidos, um país que já possui uma base sólida no ramo da autopublicação tradicional, e que de quebra também conta com uma das maiores populações do mundo – a terceira.

O que levanta o seguinte questionamento: e no Brasil? A quinta maior população mundial, e também o quinto com maior presença na internet; um país onde a maioria das pessoas não ostenta poder aquisitivo suficiente para comprar e ler tantos livros quanto se deveria ler. Isso não poderia dar certo por aqui, servindo como uma forma mais atraente de incentivo à leitura? Sabe-se que ler não é uma prática muito comum à maioria do nosso povo, e esta é uma deficiência que certamente pode ser tratada se o hábito em torno da leitura for adaptado para uma cultura mais popular e acessível para todos.


Alguns sites brasileiros, como o Clube dos Autores e o Bookess até oferecem o serviço de autopublicação tradicional. Entretanto, diferente de outros países, o movimento parece ser muito tímido: poucas pessoas  estão realmente interessadas em apostar 10, 20 reais, ou até mais no livro de algum desconhecido. O esquema chinês parece muito mais promissor, mas dificilmente veremos editoras nacionais arriscando-se em um modelo tão diferente e sem garantias seguras de retorno financeiro. Em todo o caso, o que separa o progresso da estagnação é justamente o oportunismo e a capacidade de reinventar-se, apostar em novas tendências. Nisso, os chineses pelo visto são mestres.

*Matheus Dalla Costa é estudante do VI nível do Curso de Jornalismo da UPF.


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